23 de agosto de 2015

         

           Olhar turvo, coração lento, eu estava bêbada de novo. Havia uma espécie de leveza que só a embriaguez me proporcionava e era diferente de todas as outras. Não melhor, mas necessária. Meus olhos caminhavam lento, fotografando e esquecendo cada centímetro do meu quarto. As luzes embaçadas e intensas, refletidas na retina, imitavam um incêndio, e embora fizesse frio, os meus olhos queimavam e ardiam. A música que tocava era agressiva, contrastava com todo o resto, menos com o fogo nos olhos. Esse também era. 

20 de agosto de 2015

Teoria do caos

            Era uma manhã como aquelas que às vezes tínhamos - que não eram muitas - e nunca seriam numerosas o bastante pra me fazer não ansiar por outras tantas. Seus braços estavam envoltos em mim num abraço apertado e tão protetor quanto um ninho de João de Barro. Meu coração e o seu batiam juntos e um tanto desritimados, reverberando pelas placas tectônicas e suas falhas, fazendo erguer novas cordilheiras e abrindo imensas fossas abissais. Entre beijos que transitavam hora da minha têmpora ao meu queixo, hora do pescoço à minha boca, os teus olhos me olhavam tão de perto que eu podia sentir o deslocamento de ar do seu mover de cílios gerando um furacão em algum lugar do Havaí. Sorri ao ver o brilho em uma de suas mechas de cabelo que caía descuidada sobre os olhos, imaginando quantas calotas polares aquela fagulha de luz derretera. 
          Naquela manhã tranquila, naquele quarto meio iluminado, com as nossas pernas emboladas num emaranhado de cobertas, testemunhei a magnitude do nosso pequeno caos. 

19 de julho de 2015

É tudo tão frágil, Passarinho. Vem cá, voa até aqui e me conta. Eu entendo. De ser torta eu entendo. E porque essa vontade de morrer eu também tenho, é minha companheira antiga. Mais perto de mim que a minha própria sombra. Só que ela é mais densa e palpável que uma sombra. Ela é pesada, escorregadia. As vezes eu ando rápido tentando me livrar dela, só que ela não me larga. Com o tempo eu aprendi a arrastá-la comigo pra onde eu vou, me acostumei ao peso, mas nunca me deixando dobrar de vez. Tem dias que parece que não vai dar e eu tropeço nessa vontade e faz todo sentido do mundo. Mas eu sou forte, tenho resistido.  Resista, Passarinho. Eu aguento o seu peso também. Eu divido minha força com você, e desafiando as leis da matemática, ela não diminuirá.

25 de junho de 2015

A dor impaciente se espalha em ondas que emanam do centro do meu corpo até as extremidades,  e essas estão ironicamente dormentes com o frio. As vezes eu me sinto tão sozinha que a sensação é quase como uma claustrofobia inversa, mas igualmente incômoda. Como estar numa sala bem grande e vazia. Completamente vazia.  E as vezes a solidão é tão palpável que eu sinto que poderia cortar ela em fatias e por em caixas que eu enviaria a todos aqueles de quem eu sinto falta. Meu estômago dói e eu aproveito pra chorar. Chorar por tudo que era pra ser e por algum motivo não foi, chorar pelo que se perdeu do mundo, das pessoas, de mim mesma. 



28 de maio de 2015

Canção pra não voltar


 Hello, Stranger

                  Te escrevo porque dia desses me peguei pensando em voltar pra casa. Pra falar verdade, até voltei, queria ver com meus próprios olhos. Descobri que a casa continua vazia. E triste. Cheguei a passear pelo jardim que agora está coberto por uma mata alta e selvagem. A cerca que era branca, agora está descascada e coberta de limo. As margaridas no canteiro foram sufocadas por ervas daninhas. Parei na soleira. Arrisquei entrar, com receio, já que a porta de entrada pendia nas dobradiças. Me deparo com um cheiro fétido de morte e mágoas, algumas garrafas jazem no chão, no mesmo lugar onde outrora foram deixadas. Eu sei, porque eu as bebi. Elas eram minhas únicas companhias depois que você se foi. A poeira se assentou nos móveis corroídos pelo tempo, e eu até consigo ver uns pequenos grãos que dançam com o vento, iluminados pela fraca luz do sol que se espreme pelas brechas na janela fechada com tábuas. O papel de parede, vencido pela umidade, possui um aspecto sombrio e não mais florido. Um sufoco claustrofóbico cresce incômodo, e já dando meia volta, me deparo com o porta-retratos, tão coberto de poeira que eu não conseguiria identificar o rosto embaçado na foto, se não fosse eu mesma que a tivesse tirado. Tudo aquilo é tão familiar. Tudo estava como eu tinha deixado. O cinzeiro ainda cheio, em cima da mesinha de canto, do lado do sofá no qual eu passava horas e horas sentada, encarando minha desintegração. Eu costumava viver e transitar entre aqueles cômodos, mesmo depois da sua partida. Não que eu esperasse que você voltasse, mas porque eu tinha mais medo do mundo lá fora do que dos fantasmas que me assombravam ali dentro. Lembro que naquela época eu tinha medo de enfrentar o mundo sozinha, então eu fiquei. FiqueiVocê sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Até o dia em que eu não consegui mais. Um dia, entre uma garrafa e outra, não mais soube driblar a minha claustrofobia. Abandonei a casa e fui pro mundo, coração no bolso e de mãos vazias. Nem os LP's eu levei comigo. Naquele dia que eu também parti, eu descobri: o mundo - mesmo desumano e assustador e cruel e insensível às minhas dores - era a única chance que eu tinha.




Não volte pra casa, meu amor, que a casa é triste.

20 de maio de 2015

Quiet rage

               Ela detestava cigarros. Mas tinha dias que ela poderia fumar uma caixa inteira. Uma caixa de caixas. Tinha dias que o seu coração queimava e ardia. Tinha dias que ela tinha vontade de socar a parede tão forte até abrir um buraco tão grande quanto o que tinha dentro dela. Tinha dias que ela passava o dia inteiro sem pronunciar nenhum som. Tinha dias que ela tinha vontade de gritar PUTA MERDA, PUTA MERDA, PUTA MERDA. Tinha dias que ela sentia um ódio desumano, noutros um amor incontrolável. Tinha dias que a sua dor no ombro se fundia com a sua dor no peito que parecia um vórtex descontrolado sugando tudo pra dentro dela, tudo vindo de encontro a ela em velocidade máxima, com a força de algumas toneladas. Tinha dias que ela acordava com pensamentos tão aterrorizantes e levantava na tentativa de respirar com o que parecia o pulmão de um asmático. Tinha dias que ela ficava no escuro da hora em que acordava até a hora que dormia. Tinha dias que ela acendia todas as luzes e velas no quarto. Tinha dias que ela bebia até perder o tato. E ela frequentemente perdia.  

Essa manhã quando acordou, ela já sabia que hoje era um daqueles dias em que tudo isso aconteceria. De vez.

17 de maio de 2015

incoerências

              Tem um pensamento que me deixa automaticamente de mau humor quando eu acordo. E que me dá uma vontade incontrolável de quebrar coisas. E é esse mesmo pensamento que me deixa inerte um dia inteiro, sentada na minha cama ouvindo músicas que não tem nenhuma letra, assistindo filmes que não tem final, contando passarinhos que passam voando pela janela. Só hoje foram 14. São 14h. É a quinta vez que a náusea me faz levantar. Na boca, o gosto acre de ressaca. Encaro o espelho do banheiro, de quem são esses olhos? O sangue escorre pelo nariz, limpo com as costas da mão. Olho a gota solitária que contrasta com o branco da pia. Eu tava pensando em quê? Nem lembro agora. Volto ao meu quarto. Volto à inércia. Volto a inexistir.





Eu tinha um amor, eu era bem melhor, mas tudo deu um nó.

29 de abril de 2015

Sustainable self-destruction

           Foi em um desses tropeços que eventualmente a vida faz a gente dar, que ela caiu e machucou feio o coração. Mas o que ficou evidente foi que: o motivo do tropeço foi a pressa. E ela amava do mesmo jeito que bebia seus drinks: de um gole só. E gostava de amores no mesmo teor alcoólico do seu gim: bem fortes. E nessa de beber e amar depressa, ela estava bêbada. E nesse andar embriagado, ela constantemente tropeçava. E aí ela teve a mais estranha epifania: a gente vive achando que é imortal. E entre doses de vodca e amores fortes, ela nem sabia que podia morrer. Ou talvez soubesse e fosse esse o motivo maior de todos. É porque as vezes a gente se sabota sem nem perceber. E pior: as vezes de propósito. 
           E se tem uma coisa na qual ela era expert, era em auto-sabotagem. 

14 de abril de 2015

10 days without an accident

               

          Tenho assistido a vários filmes péssimos como se você os estivesse assistindo comigo, porque eu sei que eles te irritariam bastante. E porque eles são tão ruins que por alguns minutos eu paro de pensar em você e passo a pensar em como alguém foi capaz de ter uma ideia de filme tão estúpida e quem seria tão mais estúpido ainda de financiar aquilo. E esses minutos são curtos, porém tranquilos. 
           Me sinto presa naquela parte clichê daqueles filmes clichês (que eu não consigo parar de ver), quando a moça tá bem triste porque algo não deu certo no romance que parecia perfeito desde o início do filme. E fica escutando música de fossa e andando pela cidade que parece estar muda e meio cinza. Aqueles 10 minutos antes de chegar no final quando tudo se resolve com um ato louco e desesperado de amor. Mas eu nunca chego no final. Ninguém bate à minha porta às 3 da manhã me dizendo o quão erradas estávamos de não ter arriscado e que dali em diante ficaríamos bem. Ninguém me escreve um pedido apaixonado com um avião desenhando nuvens de fumaça no céu. Ninguém me sequestra num balão colorido com destino desconhecido ou me dedica uma música no show da minha banda preferida. Ninguém telefona numa madrugada inóspita dizendo que ouviu uma canção e que lembrou de mim e que, pra falar a verdade, sente muita saudade mesmo do nosso pequeno caos. Ninguém veio. E a cidade continua cinza. E a música triste ainda toca. E aqueles 10 minutos já viraram 10 dias.

5 de abril de 2015

Canto da sereia

            


             Ela tem dedos leves que quando se entrelaçam no meu cabelo, lembram as mãos também leves -porém enrugadas - daquela vó que costuma fazer tranças. Ela tem mãos tão leves que quando roçam a minha pele imitam o roçar de milhares de cílios de milhares de anjos. Ela tem o cheiro de uma manhã ensolarada de domingo e fala num tom de voz tão manso e apaixonante quanto aquelas músicas daquela banda que costumava ser sua favorita, e não há nada que ela pudesse me pedir com aquela voz que eu não fizesse. Ela se move lenta e ritmada como a maré quando tá enchendo e puxa a gente pro fundo. E se a gente não nada rápido de volta pra beirada, se afoga. Eu me afoguei. E nem me debati, só deixei ela ir me puxando pro fundo do mundo dela. E não nadei contra, porque eu queria mesmo que ela me levasse, talvez porque se afogar no cheiro dos cabelos dela me fizesse esquecer que eu tava afundando. Ela é como aquele peixe que vive no mais profundo do oceano e encanta suas vítimas com uma luz esperançosa, e de uma só vez os engole. E os devora. O devorador de almas. E ela me devorava. E ela me virava do avesso e de volta. Mas nessas horas ela me sorria de um jeito que me fazia sentir como se tivesse ganhado na loteria, e depois ela desviava os olhos e eu me sentia como se tivesse perdido o bilhete. Como se tivesse perdido ela. E aconteceu um dia de uma corrente de ar dos trópicos criar uma tempestade bem em cima de nós. E as suas águas ficaram revoltas e não mais ritmadas. E eu submergi. E eu sentia meus pulmões inundarem num último esforço em direção à superfície, a qual nunca consegui alcançar. E aí cessei a luta. Submergi até me misturar com a areia no fundo. Caí entre duzias de arcas cheias dum tesouro que se mantinha secreto em suas profundezas, cuja existência e conteúdo ninguém jamais descobriria. 


1 de março de 2015

Drunk in love

                 Renasceu, depois de morrer tantas vezes, mas só pra morrer outras tantas. E sabia que ainda morreria muitas. E porque era assim e sempre seria. E porque talvez amasse do jeito errado e aquele amor lhe esgotasse a vida. E era uma apaixonada-romântica-trouxa-perdedora incurável, e até achava graça nisso. Talvez tivesse nascido com esse destino já traçado: morrer de amor. Beber amor, fumar amor, usar amor. E ela o bebia e usava e fumava. Nas madrugadas, voltava pra casa bêbada, trocando os passos, tateando a fechadura da porta. E no outro dia, enquanto a ressaca doía, jurava que nunca mais ia amar de novo. Só pra amar outra vez, só pra morrer outra vez. Amar era um caminho sem volta.