As
vezes você sente uma tristeza súbita, como se de repente se desse conta de uma
realidade assustadora. Você está por um fio. Você não tem mais direito de exigir nada do mundo. E já fez tanta coisa
errada, já magoou pessoas que ama e que amavam você. Houve um tempo em que você brilhou, lembra?
Mas agora parece estar embaçado. Você até enxerga embaçado. E aí se lembra da
receita do oftalmologista esquecida há anos naquela gaveta, no meio das muitas
quinquilharias que você guarda lá e dói pensar sobre. Naquela mesma gaveta
também estão jogadas as tampas de garrafas de vodca que você abriu e não
precisou fechar, as provas daquele vestibular que você não passou, a matrícula
daquele curso que você abandonou, mesmo sendo seu sonho. E quantos outros
sonhos não estão também jogados lá naquela mesma gaveta? Embolados nos emaranhados
de erros egoístas. Quilômetros de ciúme e mágoa. Também tem algumas garrafas,
cheias das lágrimas dela. Todas as visões das barbaridades que você aprontou também
estão ali jogadas, em mini-clipes. Os ecos dos gritos que você deu. Ultimamente
o peso daquela gaveta tem te incomodado, mas não é como se você pudesse se
desfazer dela. É como se cada uma daquelas milhares de coisas estivessem
tatuadas pelo seu corpo. E você sente tanta vergonha. Para pra pensar em como
tudo começou a desabar. Nos muitos tropeços seguidos, sendo quase impossível se
manter de pé, estável. Vê seu reflexo na tela do celular, as olheiras. Quem
seria capaz de amar algo como você?