1 de fevereiro de 2013

Mal súbito




As vezes você sente uma tristeza súbita, como se de repente se desse conta de uma realidade assustadora. Você está por um fio. Você não tem mais direito de exigir nada do mundo. E já fez tanta coisa errada, já magoou pessoas que ama e que amavam você. Houve um tempo em que você brilhou, lembra? Mas agora parece estar embaçado. Você até enxerga embaçado. E aí se lembra da receita do oftalmologista esquecida há anos naquela gaveta, no meio das muitas quinquilharias que você guarda lá e dói pensar sobre. Naquela mesma gaveta também estão jogadas as tampas de garrafas de vodca que você abriu e não precisou fechar, as provas daquele vestibular que você não passou, a matrícula daquele curso que você abandonou, mesmo sendo seu sonho. E quantos outros sonhos não estão também jogados lá naquela mesma gaveta? Embolados nos emaranhados de erros egoístas. Quilômetros de ciúme e mágoa. Também tem algumas garrafas, cheias das lágrimas dela. Todas as visões das barbaridades que você aprontou também estão ali jogadas, em mini-clipes. Os ecos dos gritos que você deu. Ultimamente o peso daquela gaveta tem te incomodado, mas não é como se você pudesse se desfazer dela. É como se cada uma daquelas milhares de coisas estivessem tatuadas pelo seu corpo. E você sente tanta vergonha. Para pra pensar em como tudo começou a desabar. Nos muitos tropeços seguidos, sendo quase impossível se manter de pé, estável. Vê seu reflexo na tela do celular, as olheiras. Quem seria capaz de amar algo como você? 

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