21 de fevereiro de 2016

Madness

                


Queria um dia arrancar os meus olhos e emprestá-los a você, assim você poderia olhar através deles como uma espécie de óculos bizarro. E então você olharia para o mundo e veria o amarelo solar reluzir nos teus cabelos, refletindo num espelho qualquer. Se enxergaria como eu te enxergo e entenderia o motivo do meu fascínio e porque às vezes eu te olho em silêncio com ar de boba. Talvez você ficasse baratinada como eu fico e talvez eu devesse te emprestar todos os meus outros sentidos e as minhas sinapses e as reações químicas que acontecem em mim quando eu olho pra você. Talvez assim você entenderia como eu te acho sempre linda e tão linda, que esse deveria ser o tipo de beleza que descansa nos pedestais dos museus - que você gosta tanto de ir - com uma placa pendurada dizendo "NÃO TOQUE" porque me deixa nervosa ver qualquer outra pessoa tocando em você e porque as pessoas estragam tudo aquilo que as deixa deslumbradas.

23 de agosto de 2015

         

           Olhar turvo, coração lento, eu estava bêbada de novo. Havia uma espécie de leveza que só a embriaguez me proporcionava e era diferente de todas as outras. Não melhor, mas necessária. Meus olhos caminhavam lento, fotografando e esquecendo cada centímetro do meu quarto. As luzes embaçadas e intensas, refletidas na retina, imitavam um incêndio, e embora fizesse frio, os meus olhos queimavam e ardiam. A música que tocava era agressiva, contrastava com todo o resto, menos com o fogo nos olhos. Esse também era. 

20 de agosto de 2015

Teoria do caos

            Era uma manhã como aquelas que às vezes tínhamos - que não eram muitas - e nunca seriam numerosas o bastante pra me fazer não ansiar por outras tantas. Seus braços estavam envoltos em mim num abraço apertado e tão protetor quanto um ninho de João de Barro. Meu coração e o seu batiam juntos e um tanto desritimados, reverberando pelas placas tectônicas e suas falhas, fazendo erguer novas cordilheiras e abrindo imensas fossas abissais. Entre beijos que transitavam hora da minha têmpora ao meu queixo, hora do pescoço à minha boca, os teus olhos me olhavam tão de perto que eu podia sentir o deslocamento de ar do seu mover de cílios gerando um furacão em algum lugar do Havaí. Sorri ao ver o brilho em uma de suas mechas de cabelo que caía descuidada sobre os olhos, imaginando quantas calotas polares aquela fagulha de luz derretera. 
          Naquela manhã tranquila, naquele quarto meio iluminado, com as nossas pernas emboladas num emaranhado de cobertas, testemunhei a magnitude do nosso pequeno caos. 

19 de julho de 2015

É tudo tão frágil, Passarinho. Vem cá, voa até aqui e me conta. Eu entendo. De ser torta eu entendo. E porque essa vontade de morrer eu também tenho, é minha companheira antiga. Mais perto de mim que a minha própria sombra. Só que ela é mais densa e palpável que uma sombra. Ela é pesada, escorregadia. As vezes eu ando rápido tentando me livrar dela, só que ela não me larga. Com o tempo eu aprendi a arrastá-la comigo pra onde eu vou, me acostumei ao peso, mas nunca me deixando dobrar de vez. Tem dias que parece que não vai dar e eu tropeço nessa vontade e faz todo sentido do mundo. Mas eu sou forte, tenho resistido.  Resista, Passarinho. Eu aguento o seu peso também. Eu divido minha força com você, e desafiando as leis da matemática, ela não diminuirá.

25 de junho de 2015

A dor impaciente se espalha em ondas que emanam do centro do meu corpo até as extremidades,  e essas estão ironicamente dormentes com o frio. As vezes eu me sinto tão sozinha que a sensação é quase como uma claustrofobia inversa, mas igualmente incômoda. Como estar numa sala bem grande e vazia. Completamente vazia.  E as vezes a solidão é tão palpável que eu sinto que poderia cortar ela em fatias e por em caixas que eu enviaria a todos aqueles de quem eu sinto falta. Meu estômago dói e eu aproveito pra chorar. Chorar por tudo que era pra ser e por algum motivo não foi, chorar pelo que se perdeu do mundo, das pessoas, de mim mesma.