28 de maio de 2015

Canção pra não voltar


 Hello, Stranger

                  Te escrevo porque dia desses me peguei pensando em voltar pra casa. Pra falar verdade, até voltei, queria ver com meus próprios olhos. Descobri que a casa continua vazia. E triste. Cheguei a passear pelo jardim que agora está coberto por uma mata alta e selvagem. A cerca que era branca, agora está descascada e coberta de limo. As margaridas no canteiro foram sufocadas por ervas daninhas. Parei na soleira. Arrisquei entrar, com receio, já que a porta de entrada pendia nas dobradiças. Me deparo com um cheiro fétido de morte e mágoas, algumas garrafas jazem no chão, no mesmo lugar onde outrora foram deixadas. Eu sei, porque eu as bebi. Elas eram minhas únicas companhias depois que você se foi. A poeira se assentou nos móveis corroídos pelo tempo, e eu até consigo ver uns pequenos grãos que dançam com o vento, iluminados pela fraca luz do sol que se espreme pelas brechas na janela fechada com tábuas. O papel de parede, vencido pela umidade, possui um aspecto sombrio e não mais florido. Um sufoco claustrofóbico cresce incômodo, e já dando meia volta, me deparo com o porta-retratos, tão coberto de poeira que eu não conseguiria identificar o rosto embaçado na foto, se não fosse eu mesma que a tivesse tirado. Tudo aquilo é tão familiar. Tudo estava como eu tinha deixado. O cinzeiro ainda cheio, em cima da mesinha de canto, do lado do sofá no qual eu passava horas e horas sentada, encarando minha desintegração. Eu costumava viver e transitar entre aqueles cômodos, mesmo depois da sua partida. Não que eu esperasse que você voltasse, mas porque eu tinha mais medo do mundo lá fora do que dos fantasmas que me assombravam ali dentro. Lembro que naquela época eu tinha medo de enfrentar o mundo sozinha, então eu fiquei. FiqueiVocê sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Até o dia em que eu não consegui mais. Um dia, entre uma garrafa e outra, não mais soube driblar a minha claustrofobia. Abandonei a casa e fui pro mundo, coração no bolso e de mãos vazias. Nem os LP's eu levei comigo. Naquele dia que eu também parti, eu descobri: o mundo - mesmo desumano e assustador e cruel e insensível às minhas dores - era a única chance que eu tinha.




Não volte pra casa, meu amor, que a casa é triste.

20 de maio de 2015

Quiet rage

               Ela detestava cigarros. Mas tinha dias que ela poderia fumar uma caixa inteira. Uma caixa de caixas. Tinha dias que o seu coração queimava e ardia. Tinha dias que ela tinha vontade de socar a parede tão forte até abrir um buraco tão grande quanto o que tinha dentro dela. Tinha dias que ela passava o dia inteiro sem pronunciar nenhum som. Tinha dias que ela tinha vontade de gritar PUTA MERDA, PUTA MERDA, PUTA MERDA. Tinha dias que ela sentia um ódio desumano, noutros um amor incontrolável. Tinha dias que a sua dor no ombro se fundia com a sua dor no peito que parecia um vórtex descontrolado sugando tudo pra dentro dela, tudo vindo de encontro a ela em velocidade máxima, com a força de algumas toneladas. Tinha dias que ela acordava com pensamentos tão aterrorizantes e levantava na tentativa de respirar com o que parecia o pulmão de um asmático. Tinha dias que ela ficava no escuro da hora em que acordava até a hora que dormia. Tinha dias que ela acendia todas as luzes e velas no quarto. Tinha dias que ela bebia até perder o tato. E ela frequentemente perdia.  

Essa manhã quando acordou, ela já sabia que hoje era um daqueles dias em que tudo isso aconteceria. De vez.

17 de maio de 2015

incoerências

              Tem um pensamento que me deixa automaticamente de mau humor quando eu acordo. E que me dá uma vontade incontrolável de quebrar coisas. E é esse mesmo pensamento que me deixa inerte um dia inteiro, sentada na minha cama ouvindo músicas que não tem nenhuma letra, assistindo filmes que não tem final, contando passarinhos que passam voando pela janela. Só hoje foram 14. São 14h. É a quinta vez que a náusea me faz levantar. Na boca, o gosto acre de ressaca. Encaro o espelho do banheiro, de quem são esses olhos? O sangue escorre pelo nariz, limpo com as costas da mão. Olho a gota solitária que contrasta com o branco da pia. Eu tava pensando em quê? Nem lembro agora. Volto ao meu quarto. Volto à inércia. Volto a inexistir.





Eu tinha um amor, eu era bem melhor, mas tudo deu um nó.

29 de abril de 2015

Sustainable self-destruction

           Foi em um desses tropeços que eventualmente a vida faz a gente dar, que ela caiu e machucou feio o coração. Mas o que ficou evidente foi que: o motivo do tropeço foi a pressa. E ela amava do mesmo jeito que bebia seus drinks: de um gole só. E gostava de amores no mesmo teor alcoólico do seu gim: bem fortes. E nessa de beber e amar depressa, ela estava bêbada. E nesse andar embriagado, ela constantemente tropeçava. E aí ela teve a mais estranha epifania: a gente vive achando que é imortal. E entre doses de vodca e amores fortes, ela nem sabia que podia morrer. Ou talvez soubesse e fosse esse o motivo maior de todos. É porque as vezes a gente se sabota sem nem perceber. E pior: as vezes de propósito. 
           E se tem uma coisa na qual ela era expert, era em auto-sabotagem. 

14 de abril de 2015

10 days without an accident

               

          Tenho assistido a vários filmes péssimos como se você os estivesse assistindo comigo, porque eu sei que eles te irritariam bastante. E porque eles são tão ruins que por alguns minutos eu paro de pensar em você e passo a pensar em como alguém foi capaz de ter uma ideia de filme tão estúpida e quem seria tão mais estúpido ainda de financiar aquilo. E esses minutos são curtos, porém tranquilos. 
           Me sinto presa naquela parte clichê daqueles filmes clichês (que eu não consigo parar de ver), quando a moça tá bem triste porque algo não deu certo no romance que parecia perfeito desde o início do filme. E fica escutando música de fossa e andando pela cidade que parece estar muda e meio cinza. Aqueles 10 minutos antes de chegar no final quando tudo se resolve com um ato louco e desesperado de amor. Mas eu nunca chego no final. Ninguém bate à minha porta às 3 da manhã me dizendo o quão erradas estávamos de não ter arriscado e que dali em diante ficaríamos bem. Ninguém me escreve um pedido apaixonado com um avião desenhando nuvens de fumaça no céu. Ninguém me sequestra num balão colorido com destino desconhecido ou me dedica uma música no show da minha banda preferida. Ninguém telefona numa madrugada inóspita dizendo que ouviu uma canção e que lembrou de mim e que, pra falar a verdade, sente muita saudade mesmo do nosso pequeno caos. Ninguém veio. E a cidade continua cinza. E a música triste ainda toca. E aqueles 10 minutos já viraram 10 dias.