30 de junho de 2013

Lâmina fria, sangue quente

- Se você continuar fazendo isso, vai me perder ainda antes do que imagina.
     Améllie sentou-se, tonta. E triste. Dolorosamente triste. E o que poderia dizer? Só de ouvir aquilo, era como se já tivesse perdido. Aquelas palavras cortavam como lâminas de aço. 
     E perdeu, ainda antes do que imaginava. Veio como um vendaval, varrendo seus sentidos, varrendo sua sanidade. Numa manhã cinza e fria. Mas como menina teimosa que era, não se deixou derrubar. Correu pela avenida lotada, trânsito confuso, gritava chamando um táxi. Sentou-se na porta da casa dela, a chuva caía. E só esperou. E esperou. Depois de minutos que pareceram eras, ela veio. Droga, estava linda. A Outra não a chamou para entrar, apenas saiu caminhando à sua frente. Era a via crucis. Pararam numa rua qualquer e ali Améllie desabou. Não conseguia sustentar aquele olhar frio, desatou a falar. O que sentia, o que doía, o que queria. As palavras saíam emboladas, meio bêbadas, lágrimas rolavam como cachoeiras. Não era ouvida, a frieza gelava-lhe os ossos. Queria gritar. Por um segundo, a Outra pareceu ouvir. Por um segundo, parecia que a tempestade estava passando.  Améllie, então, pegou coração e bolsa na mão e se foi. Um calor mínimo ainda ardia dentro dela, uma fagulha, eu diria. Porém, não demorou a ventar forte novamente, e a fagulha se apagou. O vento era cortante, empurrando-a para o abismo das coisas acabadas, mas ainda assim ela resistiu. E de novo aquela avenida lotada, motos entrecortavam zunindo. Dessa vez levou uma pequena jóia, ela a chamou para dentro. Améllie ajoelhou-se aos seus pés e chorou, implorou, lamentou. No final, abraçaram-se. Não estava resolvido ainda, não estava consertado, mas a fagulha de esperança se reacendia. 
     Já era madrugada, ficou ali ouvindo-a dormir, porque no sono ela era paz, no sono ela não se esgueirava para longe. Podia ouvi-la respirando. Embora não tivesse ouvido um eu te amo, o respirar calmo e compassado soava aos seus ouvidos como um. Então ela estava dormindo, mas era Améllie quem estava acordada sonhando. Não sabia muito o que fazer, só sabia que a amava intensamente. Aquilo parecia estar tatuado por dentro da  sua pele. E nunca seria apagado. Mil intempéries não bastariam.


I know exactly what you're thinking, you won't say it now
But in your heart it's loud:
Oh no, my feelings are more important than yours.
Oh, drop dead, I don't care, I won't worry.
(...)
Sweetheart, your feelings are more important, of course.
                      Razorblade - The Strokes